sexta-feira, 29 de maio de 2009

Tá, a gripe. E daí?

Com 14 casos confirmados de gripe suína no Brasil, a mídia continua batendo na mesma tecla. A editoria de saúde transformou-se numa espécie de sistema de boletins sobre a gripe suína, nos quais o contador apenas sobe. Os jornais tentam mostrar a gravidade da situação, mas cheios de dedos, pois não querem incitar o pânico. Nem é preciso tanta cautela. A população já cansou de ouvir sobre a gripe suína. Ou é H1N1, ou influenza A? Mesmo mudando o nome, a notícia é a mesma, e já é velha.
Uma pandemia é sempre importante, claro, mas não é como se fosse a única coisa acontecendo. Por mais que o Ronaldo esteja abalando, por exemplo, o caderno de Esportes não vai imprimir a cara dele e o escudo do Corinthians em todas as páginas, vai? Não. Há outros times jogando também, se não igualmente importantes no momento, pelo menos influenciam a vida de alguém diretamente.
A cobertura da editoria de saúde parece não merecer muita atenção dos veículos impressos. Será que para eles, saúde é um assunto menos importante do que os outros?
Ou ficaram tão preocupados em falar sobre economia e futebol que se esqueceram das campanhas, epidemias e soluções encontradas para os problemas? Durante esta semana, nenhum assunto se segurou por mais de um dia, a não ser é claro, a gripe suína, que invadiu todas as editorias – Brasil, Mundo, Cidades, Cotidiano, Saúde, Política, e por aí vai.
Na segunda-feira o Correio Braziliense deu atenção à diminuição do índice da gravidez precoce, no dia seguinte tratou da campanha de vacinação da Hepatite C, enfatizando a importância para os idosos participarem. O Correio publicou também duas matérias sobre as imagens de advertência contra o fumo, as atividades antitabagismo do Hospital das Clínicas, a nova lei de cobertura de planos de saúde e os resultados da campanha de vacinação. Coberturas bastante completas, mas o leitor tinha que garimpar as informações em meio a mais matérias sobre a Gripe. A Folha de São Paulo fez uma cobertura sobre os mesmos assuntos durante toda semana, mas de forma mais sucinta, superficial, quase como notas.
A rede BandNews se destacou na saúde essa semana, e mencionou diversos casos locais e nacionais. A BandNews falou de várias coisas interessantes para o telespectador: a descoberta da ajuda do gás ozônio em amenizar a dor dos pacientes com reumatismo, a paralisação dos médicos de Recife, a negociação do governo na redução dos impostos e preços dos remédios, e mesmo um aparelho que avisa com 12 horas de antecedência quando um paciente vai ter um enfarto. Qualquer um desses assuntos poderia facilmente ser matéria do Jornal Nacional, mas não foi. Falta de assunto? Não. Preguiça.
A Rede Globo de Televisão limitou-se a mencionar a interdição da UTI Neonatal da Unicamp e os assuntos comentados em todos os veículos do país – procedimentos de planejamento familiar em planos de saúde, a pesquisa que fala da efetividade das imagens grotescas em caixas de cigarros e a internação do vice-presidente José Alencar. A Globo já se esquivou da necessidade de mais informações, ao dizer que o suposto tratamento experimental revolucionário usado em Alencar foi exclusivíssimo para 30 pessoas, e que não se sabe exatamente do que se trata.
O rádio, como uma obrigação, soltou inúmeros boletins sobre a tal da gripe. Essa mídia sagrada que alcança o público como nenhuma outra podia ser usada como uma importante ferramenta de conscientização e aprendizado, mas é desperdiçada. Os pais da estudante Gabriela, assassinada no próprio condomínio, decidiram doar os órgãos da filha porque viram uma matéria na TV. Casos como esse poderiam ser muito mais comuns se um interiorano ouvisse na Rádio AM uma matéria sobre a importância da vacinação ou de uma boa alimentação. Mas o público só tem como guia as matérias do Globo Repórter sobre a mesma ladainha de sempre sobre alimentação saudável. Numa sexta-feira à noite, é melhor sair de casa ou ver um filme no SBT.

Catarina Seligman, Kameni Kuhn e Roberta Machado

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